o que somos nós?

fotografia tirada à tarde que uma amiga minha que está perto de pedrógão grande me enviou.

- mas onde está deus? - é o que mais diz a minha mãe, perante o fogo que está a apoderar-se de pedrogão grande.
- provavelmente, a comer um gelado. - respondo.
sempre tive dificuldades em acreditar em deus. quando era pequena, os meus pais inscreveram-me na catequese mas eu fui duas vezes e nunca mais lá voltei porque, para além de achar aquilo uma seca, não fazia muito sentido. entretanto, entrei no coro da igreja mas era só para cantar e não por deus. pouco mais tarde, não me deixaram mais ir porque quem não tinha a catequese, não podia estar no coro. um dia, a minha mãe, vestida de preocupação, foi falar com o padre porque era estranho eu não dar importância à igreja - como se, por isso, a minha vida tivesse de ser um caminho escuro em que o chão era revestido de espinhos e pedras bicudas e eu andasse descalça.
- não se preocupe com isso, não a obrigue a nada. - respondeu-lhe o padre.
agradeci-lhe telepaticamente.

às vezes, brinco com a minha mãe por causa disso - ela tão crente, eu tão hesitante nessa crença. mas cada vez mais a oiço a dizer "onde está deus?". talvez deus exista, talvez não. mas, se existe, não está a ajudar muito - desde ataques no meio da rua em londres a lançamentos de mísseis em bairros de gente inocente na síria. horas antes de um homem rebentar uma bomba no concerto da ariana grande em manchester, a mega hits tinha-me oferecido bilhetes para ir vê-la ao meo arena (aqui) dias depois. tremi quando soube da notícia porque podia ter sido em portugal. podia ter sido eu a levar com uma bomba. agora, que pedrogão grande e mais uns quantos municípios estão a arder e, com o fogo, vão também famílias inteiras, custa-me cada vez mais acreditar num deus que nos protege a todos. para ajudar, chove à volta dos locais com fogo mas não no sítio que era suposto, um avião da água despenhou-se e um dos casais (e respetivos filhos) que estavam desaparecidos e foi encontrado morto era amigo da minha família. e eu voltei a tremer tanto ou mais do que na situação em manchester.

saíram de casa para fugir do fogo. no fim, eles morreram e a casa continua intacta - com a mesa posta para jantar, como eles a deixaram. e eu estou aqui há horas a pensar nisto - como há tão pouco tempo ele e a minha mãe estiveram a falar ao telefone e como agora ele já não está cá. mas estou a pensar, o que significa que estou viva. não sei se ainda vou ter esta oportunidade hoje à noite, amanhã ou daqui a uma semana. mas agora estou e quero aproveitá-la da melhor maneira - a fazer o que mais gosto, a celebrar as coisas boas da vida e a sorrir. e que todos façam o mesmo porque não passamos de habitantes ínfimos neste mundo tão incerto. a solidariedade para com os bombeiros tem sido incrível e era tão bom que toda esta bondade ficasse quando este pesadelo acabar. e que, com o fogo, vá também a maldade em vez da generosidade, a inveja em vez da persistência, a violência em vez da paz.

8 comentários:

  1. "O que somos nós?"
    Boa questão...

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  2. independentemente de acreditar ou não em Deus, quem faz essas coisas é o homem, não Deus. seja "ele" quem for, são as nossas mãos que fazem porcaria neste mundo. bombistas, crimes, violência - Homem. e não vejo como tentar culpar Deus se eu decido as minhas acções como essas pessoas.
    Desastres naturais fazem parte da natureza e, se olharmos para a porcaria que fazemos à natureza, notamos como algumas coisas são resultado das nossas acções.
    eu entendo, é normal. quando o mundo cai aos nossos pés é fácil perguntar onde está Deus, mas tudo tem uma razão de ser. seja feita por nós, por outros, causa natural ou não. E mais, já há vários relatos a falar de como essa área já estava a arder antes da trovoada. aproveitaram-se da situação.
    claro que me podes dizer que não choveu, que não isto ou que mil e uma coisas que possam já não depender do homem. mas sempre me ensinaram que não é só pedir. é agir. e até pode haver quem se ponha a dizer que é um castigo pelo mal que fazemos - não acho que seja por aí. desastres naturais sempre existiram. isto foi uma junção de factores horríveis e a má mão humana. mas por outro lado (sobre essa má mão) também enche o coração ver que afinal ainda há solidariedade e corações neste país e tanta gente se disponibilizou a ajudar.

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  3. r: sim, vou tentar :) vamos ver se consigo entrar e mais importante que isso, pagar...

    não digo que não seja, mas preciso de mais. todos temos as nossas limitações, e eu tenho bastantes que umas já consegui contornar, outras ainda não. e não há coisa que mais adoro nem coisa que me faça mais insegura por isso mesmo

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  4. Somos um pedaço de tudo que depressa se transforma em nada. Somos seres frágeis!

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  5. Olha, ontem vi um vídeo perfeito para "resposta" a este post.
    Olha: https://m.youtube.com/watch?v=p3OoQuNDfqk
    Adorei a explicação que a maju deu a cada coisa. Principalmente quando diz algo do género "quando se queixa que deus se existisse não deixaria isso acontecer... Bem existe uma coisa chamada livre arbítrio de cada um" entendes?
    Nós não somos como que telecomandados por Deus todos os dias, as pessoas fazem as suas escolhas... Tu escolhes ser assim, mas há quem escolha fazer ataques e afins.
    Na situação de Pedrogão... quero apenas referir os bombeiros, que foram verdadeiros anjos na terra!

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  6. r: Não, implicaria custos... e eu não sou do tipo de pessoa que vai assim para um nos alive "all alone "!!

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  7. Lamento o que aconteceu com os amigos da tua familia. Imagino que seja dificil. É verdade que quando acontece algo a pessoas proximas de nós, claro que a gente fica mais abalada ainda.
    Também concordo contigo, se Deus existe, então o que é que ele anda a fazer nestas horas de aflição? Não dá para entender mesmo porque é que existem pessoas a ter um destino destes, sendo inocentes.

    R.: Lá está a maioria dos blogs que começam na adolescencia ,normalmente, mais tarde, acabam por tirar o anonimato. É normal isso acontecer :)
    Obrigada :)

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  8. Este post deu-me vontade de rir e chorar simultaneamente: de rir porque a minha catequista pedia-nos que desenhássemos Deus, constantemente, e acabei por desistir da catequese (até porque não tinha fé nenhuma); de chorar porque os incêndios foram terríveis :(

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