respirar: puxar o ar para dentro do corpo, para poder absorver oxigénio.

não me lembro da primeira vez em que descobri que as pessoas, os animais e tudo um dia se vai embora. quando era pequena, chorava quando a minha mãe me ia buscar a casa dos meus avós. no entanto, sabia que podia voltar no dia seguinte porque eles ainda estariam lá. pelo menos, eu tinha a certeza que estariam lá. porque nunca nada me tinha desaparecido de tal forma que não pudesse tocar mais. e, então, era óbvio que estariam lá porque não era possível algo desaparecer tão rápido.

ontem fui a casa dos meus avós para ensinar a minha avó a colocar o aparelho auditivo ao meu avô. "o que tinha de me acontecer...", disse o meu avô. hoje o meu avô veio cá a casa e disse o mesmo. não lhe digo nada mas a verdade é que não gosto que ele diga aquilo. a minha outra avó que já faleceu não sabia o meu nome, muito menos que eu era a sua neta. não tenho nenhuma memória com ela em que o alzheimer já não a definisse. os avós que ainda (ainda...) tenho sabem quem sou, sabem o meu nome, sabem que gosto de alho francês, que não gosto de queijo e que não como carne. estão bem. mas vejo-os cada vez a aperceberem-se mais do que acontece a todos: a morte. e oiço-os cada vez a falarem mais sobre isso. as dores nas costas, os ouvidos a zumbirem, o esquecimento de uma data importante começam-lhes a ser o sinónimo do final. não gosto que falem sobre isso. não para me esquecer que um dia acontecerá, mas dói-me ver a forma submissa com que falam sobre a morte e que um dia vou ter de passar por isso: quando for a vez dos outros, quando for a minha vez.

é estranho e quase estúpido pensar sobre a morte. é difícil entender a morte. qual matemática. às vezes, penso que gostava de viver sem nunca ter conhecido ninguém para não passar pela dor que é atravessar a morte dos outros. aliás, talvez o verdadeiro sofrimento venha antes de alguém morrer - quando as pessoas já não estão bem, quando não sabem o que as rodeia, quando demoram algum tempo a lembrarem-se do próprio nome. acho que é aí que começa o verdadeiro processo da morte e do fim de tudo. a morte é uma coisa natural que vai acontecer, devíamos nascer a saber lidar com ela. mas, tal como tudo, temos de aprender. um dia, vamos todos embora enquanto os pássaros continuam a cantar, a relva continua a crescer, a terra continua a rodar e o sol continua a brilhar. somos tão mais pequenos do que só pequeninos.

7 comentários:

  1. Sabes porque não adoto outro cão? Não é porque deixei de gostar de animais, nem mesmo porque a saudade da minha “menina” ainda me queima o coração. É porque comecei a fazer contas. Quando adotei a Nina, a minha filha estava a entrar na faculdade e eu sentia-me com vigor para virar o mundo do avesso. Hoje penso que se adotasse um cão, provavelmente já não ia vê-lo partir e na altura em que ele precisasse mais de cuidados, eu precisaria mais do que ele.
    Quando temos 20 anos, a morte é uma coisa tão distante, que nem sequer pensamos nela. Depois vemos partir os avós, a seguir partem os pais e os tios e um dia reparamos que entre nós e a morte, não existe mais ninguém. E tanto que eu gostava de viver até aos 500 anos...

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  2. O resto do mundo continua a girar, tal como disseste, mas isso não me consegue abafar muito a dor.
    Eu partilho daquilo que disseste... dói como tudo. Por isso também não gosto quando a minha avó faz comentários sobre não saber quanto tempo está cá. Porque não quero pôr sequer tal possibilidade.
    Mas aqueles que amamos são eternos no nosso coração, e disso não há dúvida

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  3. R: Lá está, são opções e são totalmente válidas. Claro que eu também não queria estar sempre no chão a fazer flexões, mas não acho mal que em todas as praxes se encha um bocadinho. É "engraçado", no sentido em que se um faz asneira, enchemos todos e acho que promove o espírito de união, de equipa. Claro que tudo que é exagero é abuso, mas nunca me senti assim. Em relação aos gritos há sempre gente que vai para lá como se tivesse possuído, mas pronto. Depende das pessoas :p

    É, a morte é algo que temos como definitivamente certo. Deveríamos saber lidar melhor com ela, mas na realidade nunca lidamos tão bem quanto gostaríamos. As pessoas vão-se e tu cá ficas com as saudades a acumularem-se, é triste, mas é real e se pensarmos demasiado nisso damos em loucos. Resta-nos viver um dia de cada vez. Os mais velhos têm sempre essa coisa de começar a pensar na morte, acho que é mesmo geral.

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  4. Percebo-te muito bem. Está-me a acontecer o mesmo. Fico tão triste quando percebo que os meus avós estão quase à espera da morte. É o mais certo que temos nesta vida, a verdade é essa, mas custa muito ver os nossos a ir. Não é fácil.
    Beijinho, Ana Rita*
    BLOG: https://hannamargherita.blogspot.com/ || INSTAGRAM: @rititipi || FACEBOOK: https://www.facebook.com/margheritablog/

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  5. É algo tão natural, mas custa-nos tanto aceitar que um dia tudo termina. E acho que nos custa mais perceber que podemos perder alguém do que saber que também nos tocará a nós.

    r: Recomendo :)

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  6. olha devo dizer-te que este foi um dos textos que li na blogosfera com o qual mais me identifiquei... eu compreendo-te perfeitamente, também tenho 3 avós, uma delas sofre de alzheimer e não faz ideia do que se passa à sua volta, mas pelo menos vive feliz. a outra tem parkinson o início de um processo demencial, caiu recentemente e os últimos meses tem sido passados no hospital, com a demência agravada consideravelmente, sempre aos gritos, às vezes sem conhecer ninguém ou sem dizer nada que se entenda. é mesmo muito triste vermos as pessoas que gostamos assim, pensamos que as amamos e queremos que elas fiquem connosco mas sabemos que sofrem e que viver assim é terrível. pensamos que este tipo de coisas demoram a chegar mas a verdade é que o tempo passa para todos, também odeio ouvir os meus pais dizer que estão velhos ou que não podem fazer isto ou aquilo ou que a memória falha, e, como tu, por vezes penso se a vida era mais fácil se não tivessemos esta ligação tão forte a outras pessoas, se a separação custava menos...
    beijinhos https://ratsonthemoon.blogspot.pt/

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  7. Sabes, a minha vozita -aquela que ainda tenho, tu sabes - fez ontem anos. E como sabes, ela tem querido aproveitar tudo no que toca à família desde que soube ter aquele problema e apanhou um valente "susto" (não foi susto, mas à falta de melhor palavra...). Então, decidiu que ontem iria a família toda jantar fora, a um daqueles restaurantes em que pagas por cabeça e comes o que quiseres e ainda tens bailarico até às tantas. Ao início estava abatida, embora feliz por ver a família, mas com esse pensamento que aqui falas, de quem sabe que a sua hora está a ficar curta e que sofre de tudo e mais alguma coisa. Verdade seja dita, que no decorrer da noite aplicou a melhor forma de encarar a vida "curta" - divertindo-se com os seus dançando - e olha, ela dançou desde que começou (às 22h) até ao final da festa (00h30) pelo meio chorou agarrada aos filhos e aos sobrinhos mais velhos enquanto chorava. Muitas das pessoas olhavam para ela com preocupação pelo seu estado, mas eu quase chorei junto porque a minha avó estava de coração cheio e num estado de felicidade pura e o choro não era, pela primeira vez em tempos, de preocupação, dor ou tristeza :)

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